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No post de ontem, listei dez das minhas performances favoritas de Robert De Niro, que acabou de completar 80 anos de idade. Hoje, finalizo a lista com as dez primeiras posições, comentando um pouco também sobre o que faz de cada uma algo tão especial.
Jackie Brown - Louis Gara é a imagem perfeita daquilo que os norte-americanos chamam de loser. Fracassado até como criminoso barato, ele projeta derrota em seu olhar frequentemente perdido, em seu cabelo mal penteado (ou, no oposto, besuntado de óleo) e em seu bigode que cai pelos lados de sua boca como uma escolha estética que simboliza todas as demais escolhas que fez na vida. Intelectualmente limitado (ou com o cérebro tão alterado pelas drogas que não consegue se concentrar em nada por muito tempo), ele é a pior pessoa que o violento Ordell (Samuel L. Jackson) poderia ter escolhido para desempenhar uma tarefa tão crucial - especialmente por ter que fazer dupla com Melanie (Bridget Fonda), que parece sentir imenso prazer em irritá-lo e desafiá-lo - o que culmina na sequência no shopping center, quando De Niro ilustra a frustração crescente de Louis e sua incapacidade de controlar até as partes mais simples de sua missão (como encontrar o carro no estacionamento). E se seus olhares raivosos para Melanie já demonstram a intensidade do ator, meu momento favorito surge quando a garota diz que ele está “conspícuo demais” e Louis, nervoso, responde que não se importa - mas (e isso é brilhante) sem chegar nem perto de conseguir pronunciar a palavra “conspícuo” (ao contrário do que a legenda indica; ouçam com cuidado e perceberão).
Caminhos Perigosos - Primeira parceria entre De Niro e Scorsese, este filme também foi instrumental ao cimentar a presença magnética do ator, que converte Johnny Boy em um coringa, uma criatura imprevisível. Autodestrutivo, impulsivo e inconsequente, o sujeito desperdiça todas as oportunidades que seu amigo (e protetor) Charlie (Harvey Keitel) consegue para salvá-lo de si mesmo. Aliás, cada escolha de De Niro ilustra estas características de seu personagem, do modo como morde a língua ao agredir alguém até a maneira como atira um cigarro acesso no rosto de um desafeto. Mas é na derradeira conversa com Michael (Richard Romanus) que De Niro alcança o ápice de sua composição: notem, por exemplo, como ele ri ao ser atingido pela cédula amassada, demonstrando seu pouco caso diante da atitude do agiota, e como subitamente expõe toda sua raiva ao sacar uma arma. No entanto, o instante de gênio é aquele em que Tony (David Proval) tira o revólver de sua mão e Johnny Boy imediatamente perde a postura de valente e assume uma expressão de garoto que fez algo errado e sabe disso, o que sintetiza com perfeição sua personalidade.
Cabo do Medo - Max Cady é a personificação do mal. Se na versão original Robert Mitchum já transformava o personagem em um ser que parecia impossível de deter em sua busca por vingança, aqui De Niro eleva esta abordagem à enésima potência, exalando perigo em todas as suas aparições. Igualmente importante, porém, é perceber como ele deixa claro que Cady não se vê como vilão, mas como a parte injustiçada e cujas ações são justificadas por estranhos desígnios divinos (o que fica claro na cena em que simula um julgamento e seu tom de voz assume contornos de sermão). Porém, a passagem mais violenta do filme não envolve tiros, socos ou facadas, mas o polegar que ele coloca na boca de Danielle, vivida por Juliette Lewis com perfeição. Demonstrando plena capacidade de simular sociabilidade - e até mesmo charme -, o que o torna ainda mais ameaçador, Cady usa a vulnerabilidade e a imaturidade da adolescente para seduzi-la, extraindo um óbvio prazer não da sedução em si, mas do estrago que sabe estar causando em sua vítima.
O Rei da Comédia - É revelador como De Niro decidiu transformar este projeto em seu primeiro trabalho logo após ganhar seu segundo Oscar graças à sua performance em Touro Indomável: se Jake La Motta era a personificação da violência, Rupert Pupkin é inofensivo mesmo quando parece não sê-lo. Nutrindo delírios de fama, ele sublima sua necessidade de admiração e atenção através de sua imaginação, levando ao extremo o que muitos fazem como brincadeira boba enquanto cantam sob o chuveiro. Obcecado em conseguir fama e se tornar próximo do ídolo vivido por Jerry Lewis, Rupert por vezes perde a capacidade de distinguir entre o que sonha e o que é, culminando numa cena absurdamente desconfortável (como boa parte do filme - e isto é um elogio) em que leva uma paixão da juventude até a casa de campo de Jerry depois de ter imaginado um convite jamais feito. Esta cena traz, aliás, um detalhe de composição que amo: confrontado pelo ídolo, o protagonista tenta se manter à vontade e brincando para manter alguma dignidade diante da acompanhante, mas seu embaraço é traído por um movimento súbito no qual joga o ombro direito para cima, como tentando se livrar de um incômodo. Dito isso, meu instante favorito é aquele em que o vemos gravando seu monólogo em uma fita no porão que decorou como estúdio e é interrompido por sua mãe (voz da adorável Catherine Scorsese, mãe de Martin) - e sua impaciência adolescente ao gritar “Mom!” e sua expressão logo depois que esta diz “I don´t mind you playing it, but lower it!” ressaltam sua imaturidade, tornando-o menos repulsivo do que poderia ser para o espectador.
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