Depois dos resultados do primeiro e do segundo turnos das eleições locais deste ano, praticamente todos os comentários que fiz nas minhas redes sociais (BlueSky e Threads) inspiraram algumas respostas antes não tão frequentes por parte de leitores/seguidores: ou afirmações de que era ingenuidade esperar resultados diferentes em eleições “burguesas” ou pregações acerca da necessidade de uma luta armada por parte dos trabalhadores.
No primeiro caso, não sei o que responder: independentemente da definição de “eleições burguesas” que estes leitores tenham em mente, o fato é que estas são as eleições que temos - e a ideia de que “não adianta votar” é o tipo de desmobilização que os conservadores amariam ver. Já no segundo, sempre fui e me mantenho contra qualquer tipo de violência como estratégia política - exceto em duas situações: 1) contra nazistas, neo ou não; 2) como resistência a ditadores.
(Embora nem seja necessário explicar, é sempre bom: nazistas não entendem argumentos, apenas força; e governos autoritários se tornam permanentes diante de uma população submissa; nem mesmo a comunidade internacional se vê constrangida a agir se não há resistência interna. Se passamos por um processo de abertura democrática depois de 21 anos de ditadura, muito se deve a todos aqueles que bravamente combateram os militares, sacrificando sua segurança e, em tantos e trágicos casos, suas vidas.)
Dito isso, a frustração crescente de tantos na esquerda é mais do que compreensível: depois de testemunhar como todas as concessões políticas feitas nos quatro governos do PT serviram apenas para fortalecer a direita (principalmente as bancadas evangélica e do agro), resultando num golpe que por seis anos colocou o país nas mãos de um grupo que rapidamente desmantelou o que podia, incluindo direitos trabalhistas há muito estabelecidos, o atual governo segue acreditando que ceder é uma estratégia de negociação eficaz. O resultado pode ser visto em todas as medidas conservadoras que ganharam tração nos últimos dois anos (apenas esta semana, a Câmara rejeitou a taxação de grandes fortunas na reforma tributária e a Comissão de Saúde rejeitou projeto de lei para a criminalização da violência obstétrica).
E a maior prova de que nenhuma lição foi aprendida reside no fato inacreditável de que o PT decidiu apoiar Hugo Motta, representante direto de Arthur Lira, para a presidência da Câmara - e se você tiver alguma dúvida sobre o absurdo desta decisão, basta saber que Motta também conta com o apoio do PL e de Jair Bolsonaro.
É aqui que os apologistas de costume normalmente respondem com um “é preciso ter pragmatismo!”, “Lula sabe o que está fazendo!” e, claro, com acusações de que a pessoa a fazer estes questionamentos “não é realmente de esquerda”, é “anti-Lula”, vai “fazer a direita vencer” e por aí afora. Pois bem: como alguém que fez campanha para Lula desde sua primeira candidatura à presidência, jamais deixou de defendê-lo publicamente mesmo quando isso praticamente afundou minha carreira no auge do antiesquerdismo e foi atacado nominalmente em vários momentos por Jair, Carlos e Eduardo Bolsonaro em redes sociais, creio ter um “currículo” sólido o bastante para fazer estas críticas sem ter que me importar com esse tipo de defesa insana.
Além disso, se estamos numa situação política cada vez mais precária, isto se deve em parte à crença de que Lula vai sempre estar aqui para salvar a esquerda/derrotar a direita, ignorando, por exemplo, o fato óbvio de que ele tem 79 anos de idade. Sim, eu votaria em Lula mesmo que ele tivesse 90 (minha admiração - e mesmo meu carinho - por ele são irredutíveis, inabaláveis), mas a verdade preocupante é que a esquerda não parece preocupada com o fato de não estarmos formando líderes entre as gerações mais jovens.
Para se ter uma ideia do problema, quando pensamos nos “jovens líderes” da esquerda, os nomes que primeiro vêm à mente são os de Haddad, Boulos, Gleisi Hoffmann e, com a vitória do PT em Fortaleza, Camilo Santana. Haddad tem 61 anos; Hoffman e Santana, 56. Restaria Boulos (42), que ainda enfrenta uma resistência imensa por parte de segmentos da população - algo que Lula também enfrentou, diga-se de passagem - e de parte do PT, já que pertence ao PSOL. Enquanto isso, vejamos as idades de alguns dos líderes da extrema-direita: Nikolas Ferreira (28 anos); André Fernandes (26); Bruno Engler (27) e Lucas Pavanato (26).
Isto para não mencionar a ausência preocupante de mulheres nesta lista. Sim, há nomes valiosos (Talíria Petrone (39), Fernanda Melchionna (40), Natália Bonavides (36) e Sâmia Bomfim (35) - todas do PSOL, com exceção de Bonavides), mas nenhuma que possa ser considerada ainda como uma liderança popular estabelecida (embora a campanha de Bonavides em Natal tenha escancarado seu potencial).
Estamos repetindo perigosamente outros momentos da História que deveriam ter deixado lições inesquecíveis: sempre que a esquerda adotou uma postura conciliatória, a direita foi não apenas se fortalecendo, mas se radicalizando até chegar ao ponto em que concluiu que seria mais prático reprimir qualquer oposição aos seus pensamentos. Já tivemos prova disso em 2013, 2016 e durante todo o governo Bolsonaro, culminando em sua tentativa de golpe de Estado (e o fato de o miliciano ainda não ter sido preso é mais uma evidência de como permitimos que este grupo estique a corda o máximo possível até arrebentá-la).
Caso os resultados eleitorais de 2024 não sejam o bastante para sacudir a esquerda e despertá-la de seu marasmo (e pelo jeito, parece que não foram), temo que uma pancada ainda maior virá em 2026.
E aí talvez já seja tarde demais para levantarmos da cama.
irretocável. Como faz bem ler que tem conteúdo e capacidade (no seu caso, talento) para exprimi-lo.
Acho q tem um erro crucial na sua análise. Sim, a conciliação deixa um gosto amargo. Bem amargo e de fato há segmentos na direita q se fortalecem nela, no entanto, há os que se desidratam - e é isso que falta na análise. Os anos de conciliação dos governos petistas foram de absoluto sucesso. Mesmo no auge das denúncias do mensalão, o pt conseguiu se reeleger e fazer a sucessão. Foi justamente quando o pt abriu mão da conciliação que a coisa desandou e veio o golpe. É contra os efeitos do golpe que o governo Lula 3 luta, o fascismo é somente o produto mais violento dessa crise. Culpar a conciliação pelo momento histórico que vivemos é colocar a culpa na vítima e não no agressor. O momento que vivemos não é novo. É a famosa caça às bruxas que observamos acontecer toda vez que a direita apresenta combate. Sim, eles são violentos. Sim, parece que não tem saída. Mas negar a política nunca é a saída. E isso, a conciliação, é política.