De ontem pra hoje, assisti a três filmes que abordavam em maior ou menor grau a importância do sindicalismo: os documentários Até Logo, Eu Espero (À bientôt, j´espère, França, 1967) e Triangle Fire (Idem, EUA, 2011) e o drama Matewan - A Luta Final (Matewan, EUA, 1987). Talvez este impulso tenha surgido a partir da notícia, que compartilhei no BlueSky, acerca da demissão de 14% dos funcionários da Pixar - algo que ocorreu ao mesmo tempo em que Divertida Mente 2 se estabelecia como a animação com maior bilheteria da história do Cinema: 1,6 bilhão de dólares. E detalhe: demitidos, estes funcionários perderam direito ao bônus que ganhariam pelo sucesso do longa depois de trabalharem inclusive nos fins de semana para que fosse finalizado a tempo. (E perderam também seus planos de saúde, o que abarcava também acesso a acompanhamento para questões psicológicas - e é bem irônico que isto ocorra enquanto o filme no qual trabalharam, que em essência gira em torno de saúde mental, domina as bilheterias.)
Até Logo, Eu Espero é co-dirigido por Chris Marker (um realizador pelo qual nutro verdadeira adoração) ao lado de Mario Marret, tendo sido rodado durante uma greve em uma fábrica têxtil na cidade francesa de Besançon, em 1967. Registrando discursos feitos na porta da fábrica por um jovem que se descobriu líder sindical quase que por acidente, o documentário entrevista o rapaz e alguns de seus companheiros, sendo particularmente fascinante o modo como revela no processo a trajetória de conscientização de classe percorrida por vários destes trabalhadores: “Eu sou do interior”, explica um deles. “Minha família sempre teve o hábito de frequentar a Igreja, de ir às missas. (…) Mais tarde, fui contratado pela (fábrica) Rhodia e ali descobri coisas que antes não via”. “Quando você começa a trabalhar, o pensamento é ´que sorte ter patrões que me dão emprego! O que eu faria sem eles? Como são bons, estes intervalos no trabalho! Sem os patrões, o que faríamos?´ Entramos no mercado de trabalho com esse pensamento.” Aos poucos, contudo, a realidade da exploração se torna inegável, bem como o fato de se estar vivendo para enriquecer outra pessoa enquanto não há tempo sequer para a própria família (algo salientado pela entrevista com um casal que, trabalhando em turnos diferentes, mal tem tempo de se encontrar em casa) - isto para não mencionar a falta de propósito em passar boa parte da vida executando tarefas vazias e operando máquinas: “(É um) trabalho que não significa nada. Estamos trabalhando para nada. Não há nada de interessante. Perdemos nossos espíritos”.
E igualmente chocante é descobrir que aquelas pessoas, com suas expressões abatidas e rostos marcados, ainda nem chegaram aos 40 anos.
Documentando um período de inquietação social e política que culminaria nos protestos históricos de maio de 1968, Até Breve, Eu Espero se mantém tragicamente atual, o que por si só é desesperador.
Não menos relevante é a tragédia narrada em Triangle Fire, que reconta o incêndio ocorrido em março de 1911 em uma fábrica (também têxtil) localizada nos três últimos andares de um prédio no centro de Nova York - um desastre que consternou a sociedade norte-americana da época por ter vindo pouco depois de uma longa e inédita greve protagonizadas por costureiras que reivindicavam não apenas melhores salários, mas melhores condições de trabalho. Colocando-se com veemência contra a possibilidade de sindicalização de suas funcionárias, os irmãos Max Blanck e Isaac Harris chegaram a contratar indivíduos que se infiltrassem nas manifestações com o objetivo de provocarem brigas - o que criava a desculpa para que a polícia batesse e prendesse as grevistas. Porém, graças à perseverança daquelas mulheres, os dois foram obrigados a ceder em vários pontos importantes - mas seguiram com a prática de manter uma das saídas da fábrica fechada para que todas as funcionárias pudessem ser revistadas todos os dias no fim do turno. Assim, quando um cigarro deu início a um incêndio que se espalhou rapidamente, o espaço se transformou em uma armadilha letal, causando a morte de 146 pessoas (das quais, 123 eram mulheres) - muitas das quais se atiraram do prédio em desespero. Empregando primordialmente imigrantes, incluindo adolescentes (a vítima mais jovem tinha apenas 14 anos), os próprios irmãos eram imigrantes judeus, o que não os tornou mais sensíveis à situação das funcionárias - e depois de escaparem do fogo pelo telhado do prédio, os dois foram absolvidos de qualquer culpa em um julgamento ocorrido naquele mesmo ano. Claro.
Já Matewan - A Luta Final, escrito e dirigido por John Sayles, também gira em torno de fatos reais: a tentativa de sindicalização dos mineiros da pequena cidade do título, que há anos vinham trabalhando por salários cada vez menores e em condições precárias que já haviam resultado em várias mortes. Protagonizado por Chris Cooper (em seu primeiro longa), o filme acompanha os esforços de seu personagem, que, enviado para organizar os trabalhadores, faz o possível para evitar que os confrontos com os capangas dos donos da empresa saiam do controle. Conscientizando os mineiros locais de que os recém-chegados trabalhadores negros e italianos devem ser abraçados como companheiros de luta e não com racismo e xenofobia, o sujeito é bem-sucedido ao menos neste aspecto, já que suas tentativas para impedir derramamento de sangue são frustradas quando detetives armados enviados pela empresa mineradora passam a expulsar os grevistas de suas casas, alegando que estas pertencem à corporação. Ilustrando com eficiência a importância da conscientização da classe trabalhadora com relação não apenas aos seus direitos, mas à força que possui quando unida, Matewan traz performances sensíveis de Cooper, Mary McDonnell, Will Oldham (que merecia uma carreira melhor), David Strathairn e, claro, de James Earl Jones.
Dividindo com Até Logo, Eu Espero a ideia de que derrotas pontuais não devem ser encaradas como o fim da batalha, Matewan ressalta o valor do movimento sindical e mesmo a ideia de que, às vezes, a resistência precisa ser feita com um pouco mais de força.
Obrigado por compartilhar esses filmes conosco, Pablo. Infelizmente, o que aconteceu na Pixar é só um recorte do que acontece o tempo todo na área do audiovisual, inclusive aqui no Brasil. Há mais de 10 anos, vejo situações de assédio e de desrespeito à segurança e saúde dos trabalhadores, com a dose especial de crueldade que é a desconstrução da imagem dos sindicatos. Tive que explicar a mais de um colega que nós só tínhamos reajustes salariais e de vale-refeição por causa do sindicato, ainda que enfraquecido justamente em decorrência de ações oriundas dos patrões. Vi gente em posições de poder orientando a não-contratação de determinadas pessoas porque elas estavam começando a "falar demais" entre si. Após pedir demissão de uma empresa, ouvi de colegas que o chefe disse ter ficado feliz, porque me achava "muito sindicalista". Mesmo as empresas produtoras pequenas se recusam a garantir direitos trabalhistas aos funcionários, que chegam a trabalhar sem carteira assinada mais de 8h por dia ou até mais de 14h, quando em filmagem, muitas vezes sob o disfarce de estagiários ou terceirizados. Acho triste que a nossa área é construída em cima de uma ideia de "amor pela arte" que muitas vezes despreza a segurança e a vida do próprio trabalhador. A luta para abrir os olhos dos colegas e para tentar recuperar a força dos sindicatos de trabalhadores tem que ser feita todos os dias.